Metaverso: a promessa da ficção científica aplicada ao mundo real

Metaverso: a promessa da ficção científica aplicada ao mundo real

A ficção científica do metaverso promete se tornar uma realidade e o Facebook quer ser o principal desenvolvedor dessa tecnologia

 

Autor: Heitor Augusto Colli Trebien

 

O homem se relaciona com o virtual há muito tempo, desde a antiguidade, podemos dizer. Virtual significa, nas definições do dicionário Michaelis, algo que tem capacidade de existir, uma possibilidade que pode ou não ter efeito real. Imaginação é outro componente importante que pode ser correlacionado com a ideia de virtual: imaginação pode significar, segundo o mesmo dicionário, a faculdade mental de criar imagens a partir da combinação de ideias. 

A criação de mundos paralelos, como Schlemmer e Backes (2008) comentam, sempre fez parte da imaginação, expressa antigamente na arte e na literatura. Dentre as obras, as autoras citam Neuromancer (1984), de William Gibson e Snow Crash (1992), de Neal Stephenson, romance pós-moderno em que o termo metaverso (metaverse) foi utilizado.

Com o advento do computador, os mundos paralelos não são mais tão distantes e estão sendo incorporados na realidade. As realidades virtuais, aumentadas e mistas trouxeram possibilidade, mas o metaverso, enquanto futuro, promete criar uma realidade digital incorporada no real. O virtual se transformou do vir-a-ser para o ser.     

Os jogos virtuais do século XXI se apropriaram dessa ideia, como GTA, World of Warcraft, The Sims e Second Life. Muitas animações também retomam o metaverso, como Digimon, animação adaptada do jogo eletrônico Digital Monster Ver. S: Digimon Tamers (1998) e do pet virtual Digital Monster (1997) criado no Japão.

De modo geral, as ficções apresentam um aspecto em comum: a ideia de termos uma segunda vida, uma segunda pele diferente da qual vivemos. Poderíamos interpretar outros papéis sociais, como o de heróis, papel que oferece maior entretenimento quando pensamos no que acontece no cotidiano.

Para Schlemmer e Backes (2008): “O metaverso é, então, uma tecnologia que se constitui no ciberespaço e se “materializa” por meio da criação de Mundos Digitais Virtuais em 3D – MDV3D, no qual diferentes espaços para o viver e conviver são representados em 3D, propiciando o surgimento dos “mundos paralelos” contemporâneos” (p. 522).

O metaverso, para além de ser um mundo paralelo, é uma representação, ou melhor, uma reconstrução do mundo físico ressignificado pela imaginação humana.

Para a imaginação tomar forma visível no mundo empírico, precisa-se de técnicas de computação gráfica apoiadas em linguagens de programação, como o Virtual Reality Modeling Language – VRML, projetadas e modeladas em 3D.

A interação com esse tipo de realidade é dinâmica e modifica-se a partir das interações do usuário pelos avatares ou e-cidadãos, os NPCS (Non-player Characters / Personagens não-manipuláveis) e os bots, que assumem o papel de agentes comunicativos. 

A navegação no mundo virtual, hoje em 2D, como as autoras apontam, depende do intermédio de um software / browser (navegador de internet), como o Google Chrome. No metaverso, a ideia é transformar o 2D em 3D com conexão direta, sem o software como ponte de contato de navegação. 

O metaverso promete ser uma experiência omnipresente, como Petry (2010; 2011) menciona e como consequência cria o efeito ilusório de suspensão da noção de que existe apenas um universo. A construção dessa realidade, dentre as diversas áreas do conhecimento, precisa da interação entre arte, matemática e tecnologia para fazê-la funcionar na prática. Nosso pensamento, segundo o autor, se organiza em blocos de padrões tridimensionais que envolvem a interlocução de processos físico-representacionais.

Abrir uma porta, como o autor exemplifica, é um processo lógico que se assemelha a um jogo de quebra-cabeça, precisa-se encaixar as peças para que o comportamento ocorra de maneira bem sucedida. É necessário o controle do corpo, da visão, da atenção e do esforço de alcançar a maçaneta e girá-la. É preciso uma noção inconsciente de tempo e espaço para fazer essa ação de modo automático. 

O computador é uma máquina que busca automatizar comportamentos humanos para atingir objetivos mais rápido e a sua criação permitiu ampliar a ideia de vidas digitais. A máquina, como um todo, foi e é produzida com estruturas cognitivas que lembram o pensamento lógico humano, como uma forma de estender nosso corpo no mundo. Os metaversos seriam, atualmente, o ponto máximo de vidas digitais: nos relacionarmos diretamente com realidades, universos, objetos, pessoas e animais construídos digitalmente, em tempo real. 

Na perspectiva de Mark Zuckerberg (2021), o metaverso é o próximo capítulo da internet e das relações humanas nas redes sociais. O empresário usou o termo Meta do grego, que significa ‘além’, isto é: além do universo. O nome passou por um processo de transição e a marca de Zuckerberg se chama Meta Platforms, Inc e apresenta um novo logo: 

O símbolo, de acordo com o Meta, foi desenvolvido a partir de uma única linha no espaço para formar um loop contínuo em 2D e 3D.

Assemelha-se tanto a um “M” como ao símbolo do infinito e pode ser vista de diferentes perspectivas. A objetivo do logo é apontar para a infinidade de horizontes do metaverso. 

Zuckerberg quer tornar o conceito de metaverso de origem fictícia, exposta nos romances e jogos virtuais, em uma realidade concreta. Se a tecnologia evoluir a esse ponto de fato, teremos avatares virtuais nossos se relacionando em tempo real nos mais diversos lugares do mundo.

Seria possível construir hologramas com a sua imagem e fazê-la se comunicar em uma reunião do outro lado do mundo, como em um filme do Star Wars.

Os avatares ainda poderiam ser personalizados e dependendo da criatividade, seria possível até usar um sabre de luz e duelar contra o holograma de outro amigo. O metaverso é a possibilidade de misturar realidade virtual com realidade aumentada e realidade empírica, sendo o digital expandido em três dimensões, projetado no mundo físico. Para torná-lo uma realidade, a empresa já investiu mais de US $150.000.000,00 em aprendizado imersivo para treinar os mais de 600.000 criadores desse tipo de tecnologia. 

 O objetivo é sentir a experiência da internet de um modo completamente imersivo e real. As pessoas até se esqueceriam de que estão se relacionando com objetos virtuais, sendo um sucessor da internet móvel, mas a sentiríamos no momento presente. A imagem digital do usuário seria projetada em tempo real para se relacionar com alguém. 

Por exemplo, suponha que você tenha viajado durante o natal e não possa estar presente quando os filhos abrirem os presentes. Com o metaverso, você estaria diretamente conectado a eles, vendo o que fazem e participando em tempo real do encontro de natal. Não seríamos mais dependentes de telas de computadores ou de celulares ao falar com alguém.

Para saber mais, assista os vídeos: The Metaverse and How We’ll Built It Together, Introducing Meta e Metaverse Explainer, de Zuckerberg sobre a empresa Meta e de como pretendem criar o metaverso na prática.

 

Zuckerberg (2021) propõe 8 conceitos para o desenvolvimento do seu metaverso:

  1. Presença diferentemente da realidade 2D, o indivíduo estará presente em tempo real através de seu avatar para aproveitar os encontros marcados. 
  2. Avatares ícone com cibercorpo digital criado com o objetivo de expressar uma imagem que represente o seu criador (o usuário) no mundo virtual. 
  3. Espaço doméstico (Home space) – configurado pela plataforma Horizon. O Horizon Home é a primeira coisa que vemos ao colocarmos os óculos de metaverso. O objetivo é criar uma versão social da sua casa, onde você poderá convidar seus amigos como avatares para realizar atividades juntos, como assistir vídeos e até jogar videogames. Existe também a proposta do Horizon Worlds, onde será possível criar mundos e entrar neles com as pessoas. Nele, será possível criar festas, jogos, encontros, entre outras possibilidades que a imaginação e a realidade tecnológica permitirem. O Horizon Workrooms é a criação de uma sala de trabalho, para as reuniões que serão realizadas com a empresa. 
  4. Teletransporte – o sujeito será transportado quase que instantaneamente para onde a outra pessoa estiver através da internet e das tecnologias de metaverso (realidade virtual, aumentada e mista).
  5. Interoperabilidade (Interoperability) – indica a comunicação transparente, coerente e direta entre um sistema e outro. 
  6. Privacidade e segurança – nessa categoria, a Meta elaborou quatro Princípios de Inovação Responsável (Responsible Innovation Principles): 1. nunca surpreender as pessoas, 2. proporcionar controles que importem, 3. considerar a todos e 4. colocar as pessoas em primeiro lugar. O primeiro envolve ser transparente com os dados coletados e sobre como são tratados e usados ao longo do tempo; o segundo indica como o usuário pode controlar esses dados, como guia de idade e controle dos pais quando crianças usam o produto; o terceiro é a categoria de inclusão – todos, em suas diferentes condições, devem conseguir usar os produtos com facilidade; o quarto princípio se refere ao investimento de mais de 50 milhões de dólares em tecnologias que garantam a proteção de dados, preservando os direitos humanos e civis, no programa XR Programs and Research found
  7. Bens virtuais (Virtual goods) – possibilidade de interagir com objetos e até de fazer compras. As roupas virtuais, por exemplo, fariam parte do seu acervo digital e de como iria se apresentar no dia a dia através de seu avatar. 
  8. Interfaces naturais – interfaces extremamente fiéis do ambiente no qual interagimos.

As medidas atuais da Meta Platforms, Inc foram adotadas, como Medeiros (2021) aponta, devido às críticas feitas sobre como o Facebook tratava e usava os dados dos usuários para o lucro.

As eleições dos Estados Unidos, em 2016, foram extremamente conturbadas com os dados dos usuários vendidos para a Cambridge Analytica como meio de manipulação da opinião pública. O mesmo aconteceu no Brasil nas eleições de 2018 com o atual presidente Bolsonaro. 

A democracia foi questionada pelo uso indevido da informação, tudo o que era dito e escrito era usado pela empresa para gerar lucro e vender esses dados para outras empresas, sem o consentimento do indivíduo.

O metaverso também seria, para a companhia, uma forma de remediar esses problemas, por não ser mais necessário o uso das redes sociais para realizar uma interação digital. 

Entre cinco a dez anos, se o investimento tiver sucesso, o holograma do usuário poderá interagir com o metaverso como um todo, ou seja, com as pessoas que o habitam, além dos objetos e qualquer coisa do ambiente virtual. Para participar de um show, por exemplo, o usuário iria comprar a versão digital do ingresso e poderia assistir à apresentação através de um holograma, junto com outro(a) amigo(a) que também use os óculos e esteja presencialmente nesse mesmo show. 

A empresa Soul Machines, como Ong (2021) comenta, está produzindo animações digitais hiper realistas que podem povoar o metaverso com avatares digitais, desempenhando o papel NPCs. Alguns deles, como Sam e Viola podem ser vistos no projeto Human OS 2.0. O objetivo é humanizar a Inteligência Artificial a ponto de o robô captar as expressões faciais momentâneas do usuário ao mesmo tempo em que expressa as suas.  

A Nestlé já possui atendimento digital com a Ruth, que no momento conversa em inglês. Ela conversa sobre os mais variados assuntos, como cozinha, chocolate, receitas, entre outros tópicos. A proposta do metaverso é colocar um avatar virtual seu em diálogo com a Ruth e assim tirar as suas dúvidas ou fazer o pedido em tempo real ou, quem sabe, programar a conversa e o pedido para o horário adequado ao usuário. Para conhecer mais sobre o assunto, acesse este link sobre a matéria Humanos digitais e o metaverso

 

REFERÊNCIAS

MEDEIROS, Henrique. Facebook agora é meta. Mobile Time, 28 out. 2021. Disponível em: <https://www.mobiletime.com.br/noticias/28/10/2021/facebook-agora-e-meta/>. Acesso em: 01 nov. 2021.

META. Introducing Meta: A Social Technology Company. Meta, 28 Oct. 2021. Available on: <https://about.fb.com/news/2021/10/facebook-company-is-now-meta/>. Acess: 01 nov. 2021.

ONG, Alexis. This company is making digital humans to serve the metaverse. The Verge, 27 Oct. 2021. Available on: <https://www.theverge.com/2021/10/27/22746679/soul-machines-metaverse-digital-humans-labor>. Acess: 01 nov. 2021.

PETRY, Luís Carlos. Estruturas cognitivo-ontológicas dos Metaversos. Revista Facom 22, 2010. Acesso em: 01 nov. 2021.

PETRY, Luís Carlos. Aspectos ontológicos dos metaversos e games. Gamepad 4, Seminário de Games, Comunicação e Tecnologia, Universidade Feevale, 2011. Acesso em: 01 nov. 2021.

SCHLEMMER, Eliane; BACKES, Luciana. Metaversos: novos espaços para construção do conhecimento. Revista Diálogo Educacional, vol. 8, n. 24, p. 519-532, maio-agosto, 2008. Disponível em: <https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=189116834014>. Acesso em: 01 nov. 2021.

ZUCKERBERG, Mark. Founder’s Letter. Meta, 28 Oct. 2021. Available on: <https://about.fb.com/news/2021/10/founders-letter/>. Acess: 01 nov. 2021.

NOTÍCIAS

ALVES, Paulo. O que é metaverso? Facebook, apps em blackchain e o futuro da internet. InfoMoney, 30 out. 2021. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/mercados/o-que-e-metaverso-facebook-apps-em-blockchain-e-o-futuro-da-internet/>. Acesso em: 01 nov. 2021.

BBC NEWS Brasil. O que é metaverso, a nova aposta das gigantes de tecnologia. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-58949101>. Acesso em: 01 nov. 2021. 

BULHÕES, Gabriela. WhatsApp 3D fará parte do metaverso desenvolvido por Mark Zuckerberg. Olhar Digital, 01 nov. 2021. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/2021/11/01/internet-e-redes-sociais/whatsapp-3d-fara-parte-do-metaverso-desenvolvido-por-mark-zuckerberg/>. Acesso em: 01 nov. 2021. 

MIT Technology Review. O metaverso pode, na verdade, ajudar as pessoas. MIT Technology Review, 25 nov. 2021. Disponível em: <https://mittechreview.com.br/o-metaverso-pode-na-verdade-ajudar-as-pessoas/?utm_source=LinkedIn&utm_medium=Social&utm_campaign=artigo-o-metaverso-pode-na-verdade-ajudar-as-pessoas>. Acesso em: 26 nov. 2021

VÍDEOS

HARTLEY, Zac. Top 10 metaverse stocks to buy now!. YouTube, 28 Oct. 2021. Available on: <https://www.youtube.com/watch?v=bwfQD2YyT6g>. Acess: 01 nov. 2021.

LIMA, Kaique. Pessoas digitais vão povoar o Metaverso? Empresa acredita que sim. Olhar Digital, 27 out. 2021. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/2021/10/27/internet-e-redes-sociais/pessoas-digitais-vao-povoar-o-metaverso-empresa-acredita-que-sim/>. Acesso em: 01 nov. 2021.

YOUTUBE Originals. How Far is Too Far? The Age of AI. YouTube, 18 Dec. 2019. Available on: <https://www.youtube.com/watch?v=UwsrzCVZAb8&t=56s>. Acess in 5 Nov. 2021. 

ZUCKERBERG, Mark. Introducing Meta. YouTube, META, 29 Oct. 2021. Available on: <https://www.youtube.com/watch?v=pjNI9K1D_xo>. Acess: 01 nov. 2021.

ZUCKERBERG, Mark. Metaverse Explainer. Meta, 28 Oct. 2021. Available on: <https://d1a.app.box.com/s/e6ut3x6z7b1zvk684m2irrwfi8gemkez/file/878630154065>. Acess: 01 nov. 2021.

ZUCKERBERG, Mark. The Metaverse and How We’ll Built It Together. Meta, YouTube, 28 Oct. 2021. Available on: <https://www.youtube.com/watch?v=Uvufun6xer8>. Acess: 01 nov. 2021.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]